Todos falam de saúde, mas ninguém se ouve

14/07/2025
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Um exame foi solicitado. O médico alegou urgência. A operadora pediu justificativa. O hospital ponderou custos. A indústria ofereceu uma solução “inovadora”. Cada um falou. Ninguém ouviu. Enquanto discutiam, o paciente esperava. Não uma decisão — mas cuidado.

Saúde está em toda parte — mas cada setor defende o seu próprio interesse. É tema diário nos noticiários, nas redes sociais e nos congressos técnicos. Discutida por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, farmacêuticos, gestores, operadoras, indústria e startups, a saúde ocupa a pauta — mas não o centro da ação coletiva.

No lugar de diálogo, há disputas. Cada parte tenta resolver o seu próprio problema: o hospital quer sobreviver financeiramente, o médico quer autonomia, a operadora busca reduzir custos, a indústria quer vender. O paciente, esse sim, fica à margem, invisível, esperando que alguém, por fim, resolva sua dor.

Essa fragmentação está em todos os níveis. Um médico prescreve, a operadora questiona, o hospital aguarda, o paciente aguenta. Todos têm razão dentro de suas lógicas, mas ninguém parece disposto a ceder em nome de um bem maior: o cuidado de qualidade, seguro e humano.

A indignação cresce nas redes sociais. Esperas prolongadas, exames negados, encaminhamentos vazios se transformam em relatos de frustração. Cada caso se torna exemplo de um sistema onde cada elo puxa para um lado — e a corda arrebenta sempre do lado mais frágil.

Promessas políticas e soluções mágicas não substituem escuta e cooperação. Candidatos garantem resolver tudo com discursos prontos. Mas os problemas da saúde são complexos demais para slogans simples.

A prática mostra que mesmo profissionais experientes, com metodologias científicas e anos de atuação, ainda lutam para vencer desafios crônicos como superlotação, desinformação e burocracias. O que dizer então de soluções apressadas de campanhas eleitorais?

Enquanto isso, cresce o entusiasmo com soluções tecnológicas. Prontuários inteligentes, algoritmos de triagem, aplicativos de monitoramento. Tudo é promissor — até ser confrontado com as incertezas e especificidades do cuidado humano. Nenhum software substitui empatia, contexto e escuta.

No centro de tudo, está o paciente. Mas sua centralidade é mais retórica do que real. Em muitas discussões de bastidores, ele sequer é mencionado. Não como prioridade — mas como obstáculo logístico, risco financeiro ou variável incômoda num sistema mal ajustado.

Enquanto todos defendem seu território, o paciente continua sozinho. Profissionais da saúde, operadoras, hospitais e indústria compartilham o mesmo discurso: queremos o melhor para o paciente. Mas basta escutar com atenção para perceber que, muitas vezes, o objetivo real é outro: preservar autonomia, conter gastos, cumprir metas, proteger margens. Cada um olha para dentro do seu próprio umbigo institucional — e não para quem está na maca, na fila ou no telefone tentando remarcar uma consulta. Falta generosidade interinstitucional. Falta a ideia de sistema. Falta o compromisso de que, às vezes, o certo não é o que é melhor para mim, mas o que é viável, justo e mais eficaz para quem precisa ser cuidado agora.

Falar de saúde não basta. É preciso querer entender o outro — e isso exige diálogo, concessão e empatia. Enquanto as partes não se ouvirem e não aprenderem a construir soluções conjuntas, continuaremos tendo casos como o de Joana. Casos em que todos fizeram a sua parte — e, ainda assim, ninguém resolveu o que mais importava. Esse desalinhamento entre os elos do sistema expõe o que muitos evitam admitir: o cuidado com o paciente deixou de ser o centro das decisões. Tornou-se um discurso, uma bandeira simbólica usada para justificar posicionamentos estratégicos. Nos bastidores, o que realmente se negocia são interesses institucionais — e não soluções integradas para quem está doente.

A linguagem entre os setores é quase sempre dissonante. O que para o hospital é custo, para o médico é necessidade clínica. O que para a operadora é gasto evitável, para a família é urgência. O que para a indústria é inovação, para o gestor público é inviável. Sem tradutores, cada um fala em seu próprio dialeto — e ninguém se entende. As pessoas, sem saber, são as que pagam essa conta.

Para reconstruir pontes, será preciso mais do que fóruns e manuais de boas práticas. Será necessário mudar a intenção do diálogo. A pergunta que deveria nortear qualquer decisão em saúde não é ‘qual o impacto disso na minha operação?’, mas sim: ‘isso melhora, de forma concreta, o cuidado de alguém?’. Essa pergunta simples, quando realmente levada a sério, é capaz de reorganizar prioridades.

Este texto foi escrito pelo Dr. Cassiano Teixeira, especialista em Clínica Médica e Terapia Intensiva. Professor do Departamento de Clínica Médica e Ciências da Reabilitação da Universidade de Ciências da Saúde de Porto Alegre, responsável pelo Curso de Humanização em Terapia Intensiva da Associação de Medicina Intensiva Brasileira e intensivista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Atua também em consultório com foco em cuidados perioperatórios.

Publicado originalmente no site Sler:
🔗 sler.com.br/todos-falam-de-saude-mas-ninguem-se-ouve

Boldo & Teixeira - Cuidados Perioperatórios e Pós UTI


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